domingo, 24 de abril de 2016

A arte de promover o conformismo

Recentemente, curti uma publicação no Facebook que falava sobre os livros de George Orwell e Adous Huxley, 1984 e Admirável Mundo Novo, respectivamente.
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Estes livros afetaram meu senso de observação do mundo e, principalmente, meu gosto pela leitura, porque depois deles, ficou difícil apreciar outras obras de ficção. Eu era uma pessoa inconformada mesmo antes dos livros, mas estas obras me ajudaram a construir com maior clareza aquilo que já enxergava de maneira subconsciente.
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Sobre o 1984, ele traz dois conceitos principais: o primeiro é o culto ao ódio. O fato de que o governo estimula o ódio entre as pessoas para que um fiscalize o outro. Pais, filhos, maridos, esposas, se veem como inimigos uns dos outros e fazem denúncias se percebem algo estranho. O segundo é a manipulação da imprensa. Na história, o personagem principal trabalha justamente no órgão do governo que faz a alteração dos jornais do passado. Ou seja, o governo manipula os registros do passado da maneira como bem entende e, por vezes, lança em um dia a notícia inversa ao que divulgou no dia anterior. As pessoas estão tão habituadas ao fato de que tudo muda o tempo todo e acreditam que tudo o que o governo diz é verdade absoluta e incontestável, que elas NÃO PERCEBEM as mudanças, por mais repentinas que elas sejam.
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Sobre o Admirável Mundo Novo, a obra apresenta um mundo onde todos são felizes fazendo exatamente o que fazem, desde o faxineiro até os cientistas, pois foram doutrinados para aquilo desde o nascimento. O novo mundo também induz ao sexo indiscriminado e uso de entorpecentes, pois são maneiras eficazes de manter a mente humana distante de rebeldias e questionamentos em geral. A instituição familiar deixa de existir. Qualquer laço afetivo com um amigo um pouco mais íntimo é mal visto. Impera a futilidade das relações. E, por fim e no ponto que eu queria chegar, há um estímulo muito grande à prática de esportes que gerem consumo. Todos os jogos precisam de alguma maneira gerar consumo; precisam fazer uso de algum equipamento ou acessório que se perca durante o jogo, obrigando as pessoas a estarem sempre comprando. Esportes que façam uso de material duradouro ou ainda, que não precise de acessório algum (roupas especiais, rede, raquete, etc.) são extintos.
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A esta altura do campeonato, mentes inconformadas já compreenderam a mensagem que eu quero expressar. Para aqueles que ainda estão em dúvida, peço que sigam lendo o artigo.
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Quero deixar claro que não estou aqui para puxar nada para lado nenhum. Quero simplesmente chamar a atenção para fatos presentes que ninguém percebe.
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No mês de novembro de 2014, lembro de ver uma reportagem na rede globo falando da operação Lava Jato, na qual o digníssimo Willian Bonner citava o nome de uma lista de políticos envolvidos no escândalo e, toda vez que ele citava o nome de um político do PT, ele fazia questão de dizer “Fulano do PT” e quando ele citava o nome de um político de outro partido, ele simplesmente falava o nome, sem citar o partido. Embora eu não tenha visto nenhum tipo de repercussão nem mesmo nas redes sociais, eu acho que houve algum processo a esse respeito, pois nunca mais aconteceu algo do tipo. Eu lembro ainda que foi a rede globo que expôs em rede nacional aquele gráfico ridículo com o mapa do Brasil salientando os estados onde o PT venceu e onde o PSDB venceu a última eleição, ignorando o fato de que nosso voto é por cidadão e não por estado –  eu lembro que no instante em que vi aquilo a revolta me corroeu por dentro. Depois percebi nas redes sociais que eu não senti isso sozinha, pois as críticas foram muitas, inclusive provando a quem soubesse matemática que, em números, o PT recebeu mais votos na região sudeste do que em qualquer outra. Lembro ainda que desde essa época já se falava de impeachment e lembro ainda que a Dilma deu uma entrevista ao Willian Bonner, na qual ele chegou ao extremo de se exaltar com ela (Bonner, vc é tão bom ator quanto jornalista – já pensou em trabalhar em alguma novela?) alegando que ela não havia respondido uma pergunta. No instante em que ele falou isso, a presidente disse claramente “a primeira coisa que eu te respondi foi a sua pergunta, e a resposta foi ‘não, a situação da saúde pública não é satisfatória’ ”. O mais engraçado foi o efeito que isso teve na sociedade: em todos os lugares, na academia, no trabalho, na rua, eu via as pessoas comentarem, mesmo a título de piada, que a Dilma não respondeu as perguntas do Bonner. Meu Deus... Olha o 1984 acontecendo bem no meu nariz! Minha gente, eu NÃO estou dizendo que as respostas da Dilma foram satisfatórias ou que apoio o governo dela, ou que acho que é golpe! Mas a Dilma respondeu as perguntas do Bonner SIM. É uma questão de semântica, de compreensão da língua portuguesa. Ela respondeu! É claro que toda resposta vinha emendada de uma propaganda de seu próprio governo, COMO TODO POLÍTICO FAZ, mas há uma divisão entre a resposta das perguntas e a propaganda. Se não acredita, faça um exercício sincero: procure a entrevista no youtube, transcreva pergunta e resposta (eu não vou fazer isso para você) e peça que outra pessoa leia. Não conte a pessoa do que se trata, omita o nome dos atores dessa entrevista e peça uma opinião neutra. É só um desafio, não para provar que o lado vermelhinho está certo, mas para provar a rede globo faz o que bem entende com a cabeça das pessoas e ninguém percebe.
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Agora deixando a política de lado, pois a essa altura certamente tem gente querendo me pendurar no tronco e me açoitar em praça pública (é isso que tenho ouvido colegas dizerem que deveria acontecer com quem tem opinião favorável ao governo... E embora eu esteja declarando não escolher um lado, assim me rotulam de qualquer forma), eu gostaria de chamar a atenção para uma série de coisas que têm acontecido na sociedade e que temos uma posição absurdamente passiva diante delas – apesar de agora o “gigante ter acordado”.
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O primeiro é o desleixo na nossa classe médica. Na atual conjuntura, eu teria muito mais vergonha de ter essa profissão do que orgulho. Hoje, você luta para encontrar um médico na faixa etária dos 50, pois você ainda pode confiar nessa turma. Não porque eles têm experiência, mas porque vêm de uma época onde essa profissão era honrada. Hoje, é uma profissão vendida a campanhas baratas (ou caras…) de laboratórios farmacêuticos. Hoje, você chega no PS com uma infecção de garganta, secreção amarela e até febre e o médico tem a cara de pau de falar na sua cara que isso não quer dizer que você precisa de antibiótico. Ele te receita um corticoide, que te acomete a uma série de efeitos colaterais graves. Ainda que você diga que não pode tomar corticoide, que tem problemas no aparelho digestivo, ele insiste. Quando o médico receita o antibiótico, após no mínimo a sua segunda visita ao PS (é o protocolo, não importa o seu estado, eles só irão te receitar o antibiótico na segunda visita), ele não receita a boa e velha amoxilina, que custa algo próximo aos sessenta reais. Ele receita um antibiótico caríssimo, que custa na casa dos cento e oitenta reais porque sabe que você vai acabar comprando. Eu nunca entendi porque os médicos precisam saber nossa profissão, mas quer saber, assumo o compromisso público com meu leitor de me declarar auxiliar de limpeza quando for ao PS da próxima vez... Vamos ver se consigo uma medicação mais em conta. É frequente os médicos receitarem medicamentos novos, que a gente chega ao ponto de ter dificuldade para encontrar, quando na verdade tem uma série de medicamentos maduros e mais baratos que fariam o mesmo efeito. Claro... O medicamento novo traz uma série de benefícios ao médico, ao laboratório e ao paciente... Ops, o paciente que se exploda! O paciente é usado como cobaia sem autorização – no mínimo, para ser uma prática honesta, o médico deveria nos dar a opção de usar um medicamento maduro ou outro novo que promete algum benefício maior. A opção deveria ser do paciente. O corpo é do paciente. Isso que médicos têm feito é abuso de poder intelectual, por serem detentores do conhecimento, é abuso de poder legal porque hoje não podemos comprar nossa própria amoxilina (interesse de quem?) e é cruel. A história que vivi no PS e que retratei aqui de maneira indireta é real e não foi minha única experiência do tipo – tenho histórico de problemas com médicos desde pelo menos meus dez anos. E conheço muita gente com reclamações semelhantes ou ainda indignadas com a falta de competência.
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Alguma semelhança com o que fazem no Admirável Mundo Novo com os esportes? Vou construir a semelhança: os médicos, hospitais, laboratórios, têm intenção de nos manter doentes para gerarmos o máximo de lucro a eles, ou ainda, de nos gerarem mais doenças, receitando corticoide para infecções, por exemplo, nos obrigando a tomar antibióticos ainda mais fortes a partir da segunda consulta e acrescentando ao nosso coquetel outras medicações para o aparelho digestivo, para tratar o mal que o corticoide faz. E antes que me acusem de qualquer outra coisa, não é teoria da conspiração. Está acontecendo bem no nosso nariz e ninguém enxerga, como no 1984, onde nutriam o ódio entre as pessoas sem ninguém perceber e alteravam os jornais do passado.
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Falemos agora do adorável trânsito da cidade de São Paulo.
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Eu não estou vendo nenhum tipo de melhoria nas nossas avenidas, ou ponto de ônibus ou melhorias em geral ao transporte coletivo apesar da arrecadação absurda com a tolerância zero da aplicação de multas. Eu moro em uma quadra repleta de prédios e os prédios por aqui são populares, então têm apenas uma vaga. Muita gente hoje tem dois carros porque precisam ter – e não porque estejam jogando dinheiro fora. E por aqui, as ruas ficam repletas de carros estacionados. Havia uma época em que parávamos em cima da calçada para facilitar a passagem dos carros pela rua, porque não passam pedestres por aqui, já que as ruas não têm absolutamente nenhum comércio, a entrada das casas e prédios são voltadas a rua principal e as ruas são sem saída. E, então, a CET passou a ser frequentadora da região para multar os veículos em cima da calçada ou que param na contra mão, ainda que isso não prejudique nenhum pedestre. Quando a CET vem, eles vêm por volta das 06h10 da manhã, com a maldade de pegar o pessoal antes de todo mundo sair para trabalhar. O que eu acho mais irônico nisso tudo é que eu nunca cruzei com uma ronda policial na região. Eu saio de casa muito cedo, com as ruas desertas, com o pavor de ser violentada no terreno baldio que tem no fundo das tais ruas sem saída, onde não tem nenhum comércio, residência, portaria de prédio, ninguém a quem eu possa pedir socorro. Eu nunca cruzei com uma ronda policial que possa me proporcionar algum tipo de segurança, mas já cruzei diversas vezes com a CET, multando os veículos que não prejudicam ninguém.
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Os dois relatos que coloquei aqui já me estimulam ódio o bastante para querer sumir desse país, mas eu ainda tenho mais.
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Casamento gay não é algo passível de opinião. Precisa ser aprovado, doa a quem doer. Quando eu era criança, na minha ingenuidade, eu já pensava sobre casamento em grupo, ou entre amigos do mesmo sexo, não pelo sexo carnal presente numa relação de casal, mas pela legalidade que esse contrato representa. Divisão de bens, direitos para acompanhar a outros países, compromisso de cuidados, de suporte, de doação de um para outro. Por que eu tenho que ser legalmente ligada somente a minha família biológica e um eventual marido? Eu não posso registrar legalmente a família que construí com meus amigos? Não faz sentido.
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Descriminalização do aborto. Os motivos são tão óbvios que chega a ser redundância elencar. Mas vamos lá: hoje falamos em descriminalização, em vez de liberação, porque todo mundo sabe que acontece, independente de lei. Todo mundo já sabe que é uma questão social, visto que a classe A faz aborto legalizado nos EUA, a classe B faz aborto clandestino com um médico formado e a classe C e inferior faz do jeito que for. Com um açougueiro, com drogas ilícitas, dilacerando seus úteros com químicas, mas fazem. Aqueles que não fazem mas queriam muito ter feito, certamente farão dessa criança uma escrava de sua própria rejeição. Até o Dr. Drauzio Varella, que é talvez a única figura que eu ainda respeite na rede globo, é a favor. Descriminalizar o aborto não significa obrigar alguém a fazer. Simplesmente dá a pessoa liberdade de escolher. Optar por um aborto não é uma escolha que mulher nenhuma faz com prazer. É uma escolha difícil, que traumatiza pelo resto da vida e dói, dói na alma – então não condene essa mulher. E se a questão é divina, religiosa, então sejamos coerentes: vamos impor a religião desse país que se diz livre e moderno, mas tem cérebro de amendoim.
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Eu ainda poderia falar sobre outras ideias subversivas que tenho, tais como a flexibilização das leis trabalhistas (e aí, sou petista ou coxinha agora), estudante de escola pública pagar meia na universidade particular, leis penais mais severas sim, polícia intelectualmente mais preparada (o curso deveria ser universitário e o PM deveria ter título de doutor, assim como os médicos, embora estes não façam jus), aula de cidadania, consciência coletiva, bom senso, amor ao próximo, durante a escolaridade regular. 
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Para cada um destes itens eu poderia escrever um artigo inteiro. Mas vou ficando por aqui, nutrindo a infeliz esperança de que um dia o gigante realmente acorde.
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Marina Casadei

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Eu não sou virtual

Para quem disse que imitava a sociedade para pertencer a ela, acho que estou longe de qualquer chance de sucesso.
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Meus sentimentos são complexos, repletos de laços com passado, presente e expectativas de futuro. Sentimentos envolvem terceiros de maneira direta, por isso não podem ser resumidos numa única frase, explícita, escrita, de maneira indireta.
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Se curtidas são sinônimos de afeto, se compartilhamentos são sinônimos de apoio, se comentários são sinônimos de parceria, então não sou sua amiga.
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Se selfies são provas de felicidade ou beleza, então não sou feliz, tão pouco bela, e nem quero ser. Se check in significa estar presente, devo estar ausente de aqui. Se convites são eventos numa agenda virtual que depende do meu ato de logar, então não sou bem vinda.
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Se número de contatos significa o quanto estou disposta a me doar, sinto muito. Não lembro o nome de todos e não tenho tempo para o pequeno círculo do qual nunca me esqueço (infelizmente).
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Eu não nasci virtual. Nasci de uma conexão física, sou composta de carbono e habitada por espírito.
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Posso encerrar todos os meus acessos e continuar existindo. Ninguém vai saber. Posso deixar de existir e minha vida virtual permanecer intacta. E muitos nunca saberão. E se um dia alguém hackear minhas senhas, nem de longe terá roubado minha alma.
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Aprecio a tecnologia que facilita a vida e aproxima as pessoas e lamento com pesar aqueles que confundem facilidade com futilidade e aplicativos com o benefício de estar distante.
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As coisas não são o que são, mas sim, o significado que nós damos a elas. E há quem prefira a suavidade da tela ao desconforto da vida.
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Meu legado não é virtual e minha passagem não é por fios de fibra óptica.
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Meu perfil, meu mundo virtual e minhas notícias são só a parte exterior, pública e simplificada do meu ser. Renego essa vida, porque não estou disposta a abrir mão do mundo que construí fora. Ou seria o contrário?
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Não faço parte do novo mundo.
Não nasci virtual.
Me nego a ser virtual.
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Sou pedaço de partícula humana dispersa no Universo cujo todo está fora do meu alcance conhecer.
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Nasci. Sou real. E faço questão de saber existir.
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Marina Casadei
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