segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Diário de Bordo – Parte I: PEDAÇOS NA GAVETA


Fazer as malas para uma viagem longa é algo intrigante. Primeiro porque você não tem a menor idéia do que realmente vai precisar. Segundo, porque você provavelmente não vai usar metade do que levou e vai sentir falta de metade do que deixou. Bom, ao menos isso mostra que você tem 50% de assertividade!


Como mulher analítica e avessa ao estereótipo que sou, fiz questão de levar apenas uma mala e manter ainda espaço de sobra para carregar tranqueiras que eu venha a adquirir. Não tenho muito para gastar, mas se eu não fizer sequer uma comprinha, nem poderia me chamar de mulher!

Fiquei duas semanas preparando a mala. Cada peça de roupa me rendia horas avaliando praticidade, funcionalidade e estética. Desde a manhã chuvosa a caminho da escola até a festa exótica na faculdade foram filmes passando pela minha cabeça! E claro, testei todos os meus sapatos e calças com o maior número de meias possível para decidir o que valeria mais a pena carregar. Me pergunto se esse cuidado todo seria influência de ser secretária, a experiência de ter trabalhado com projetos ou eu que sou chata mesmo (não respondam).


Mas cada peça que deixei era como deixar um pedacinho precioso de mim. Um pedacinho que um dia me aqueceu ou me deixou mais bonita. E eu amo cada um desses pedaços, assim como amo ver o Pico do Jaraguá da janela da minha sala. Ou, amo dirigir de manhãzinha pelos viadutos e avenidas de São Paulo. Amo ver a São Paulo antiga grafitada na 23 de maio. E amo sentar no vão do MASP quando meus pés já estão cansados de caminhar pela Paulista.


Não posso levar nada disso na mala! Mesmo uma foto não seria suficiente para retratar o sentimento, pois a ação está associada a paisagem. O momento vivido só existe no presente.

Não tenho medo de pisar num país estranho onde ninguém fala minha língua. Desconheço o funcionamento do transporte coletivo, a culinária, o tratamento com as pessoas, o frio do inverno inglês e nada disso me assusta.

O que eu realmente tenho medo, voltando ou ficando lá, é de não pertencer a lugar algum, pois deixei pedaços meus em cada canto do mundo. Pedaços intangíveis, que não se pode carregar na mala.


Marina Casadei
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